Deterioração da condições e relações de trabalho médico comprometem atendimento.

A carga horária excessiva decorrente de má remuneração e a deterioração de condições de trabalho elevam as queixas contra a conduta de profissionais médicos. Junte-se a isso a ocorrência, em passado recente, de uma proliferação desordenada de faculdades de medicina privadas. O aumento de processos disciplinares, administrativos e judiciais apenas vem demonstrar que há fatores de ordem política, econômica e institucional que estão contribuindo decisivamente para colocar em risco a saúde das pessoas. A apuração das responsabilidades individuais, embora necessária, e os procedimentos judiciais ou realizados pelo Conselho Regional de Medicina, tendem a ser particularizados e encobrem uma realidade trágica. A decadência das condições éticas para se exercer a Medicina, em especial no serviço público. A matéria sobre o aumento dos casos de julgamentos por suposta negligência médica é do portal UAI e está em http://tinyurl.com/bg3pv2 .

Triplicam julgamentos por negligência médica em Minas – Domingo 25 de janeiro de 2009 CRM/MG, que só no ano passado recebeu 1.250 denúncias e julgou 136 profissionais

Luciana Melo – Estado de Minas

A figura do médico-sacerdote, do profissional que detém a aura da onipotência e age guiado somente pelos princípios humanitários é uma imagem cada vez mais distante da realidade. Os doentes, por sua vez, estão a cada dia mais impacientes quanto ao tratamento recebido nos consultórios, hospitais e unidades de saúde. E muitos deles levam adiante as queixas desse relacionamento tão conturbado. Prova disso é que o número de processos ético-profissionais julgados pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM/MG) mais que triplicou nos últimos cinco anos, saltando de 43, em 2003, para mais de 130 em 2008. Somente no ano passado, foram 1.250 denúncias apresentadas ao conselho, que resultaram na abertura de investigação contra 136 profissionais.

De 2006 a 2008, dos 253 médicos julgados, 40% foram punidos com sanções que variam desde uma simples advertência confidencial à cassação do exercício profissional. O levantamento inédito apresentado pelo CRM/MG, além de apontar o crescimento do número de processos contra os profissionais, revela o perfil dos acusados com mais frequência: homens, de 45 a 55 anos, com até 25 anos de profissão.

Insucesso no tratamento, complicações de saúde, negligência, omissão e conflitos na relação médico-paciente são as principais causas das denúncias. Entretanto, o presidente do CRM/MG, João Batista Soares, acredita que a base de todos os problemas é a falta de entendimento entre o profissional e o doente. “A principal causa das denúncias contra médicos é fruto do mau relacionamento. Se há uma boa relação, até mesmo o erro ou insucesso terapêutico podem ser resolvidos sem a necessidade de um processo”, afirma.

RECURSOS As queixas não partem apenas de pacientes e familiares, apesar de eles serem os principais reclamantes. Autoridades policiais e judiciárias, como delegados, promotores e juízes, estão em segundo lugar na qualidade de acusadores. Médicos denunciando colegas, comissões de ética dos hospitais e secretarias municipais e estadual de Saúde também engrossam o protocolo na Corregedoria do CRM/MG.

Para aqueles que são absolvidos – no caso, 60% dos julgamentos -, há o recurso da publicação de uma nota de desagravo no jornal do CRM/MG. Mas, segundo o presidente do conselho, a maioria prefere deixar de lado o direito à retratação. “Normalmente, os médicos não querem que seus nomes apareçam duas vezes relacionados a denúncia”, conta Batista.

Acostumado a lidar com muitos problemas que chegam ao CRM/MG, o médico João Batista tem um conselho para evitar processos e denúncias. “A receita inclui só dois itens: ter bom relacionamento com o paciente, tratá-lo bem, dar atenção aos acompanhantes e anotar tudo no prontuário com letra legível. A primeira recomendação previne conflitos e a segunda comprova a boa prática da medicina e ajuda a nos resguardar de problemas. Se peço um exame e o paciente não volta, anoto tudo no prontuário”, recomenda.

O presidente do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Paulo Venâncio, representa os interesses dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Para ele, o principal problema é que cada vez mais os atendimentos ficam restritos a resolver queixas e aliviar sintomas apresentados pelos pacientes, com avaliações superficiais. “Se não houver um investimento na prevenção, e isso requer atender os pacientes com mais tempo e atenção, vamos apenas tratar dos agravos. Uma pessoa com diabetes pode sofrer de catarata. Se esse paciente for atendido por um profissional atento apenas aos sintomas, o único procedimento será encaminhá-lo ao oftalmologista”, exemplifica Paulo Venâncio.

IMPOSIÇÕES O desgaste das relações entre médicos e pacientes não é exclusividade dos serviços públicos, mas está presente em todas as áreas, incluindo a saúde privada e a suplementar. Segundo o coordenador do pronto-socorro do Hospital Vera Cruz, Fernando Carvalho Neuenschwander, muitos pacientes com convênios se sentem no direito de definir até mesmo as condutas médicas, porque acreditam que são, antes de tudo, clientes. “Não é incomum ouvir pacientes fazerem imposições nos consultórios, pois, pelo fato de pagarem um convênio, se sentem no direito de reclamar. O relacionamento piorou ao longo do tempo e não há mais aquele médico que responde pela saúde da família, que era uma referência. As pessoas já chegam armadas e a desconfiança marca as relações”, afirma Fernando.

Acostumado a receber queixas de atendimentos prestados no pronto-socorro do hospital, o cardiologista afirma que sempre procura dar resposta às questões que chegam ao serviço de atendimento ao cliente do hospital. Próximo ao leito do dentista Foed Calito, de 85 anos, o médico Fernando Carvalho elogia a conduta do paciente, que espera com calma uma vaga para internação. “Atualmente, os médicos agem sentindo muito medo dos processos. Nos Estados Unidos, os profissionais fazem seguros para arcar com as indenizações e se resguardam com quantidade abusiva de exames, para se documentar ao máximo. Trabalho há 10 anos como plantonista no pronto-socorro e nunca fui processado. A boa prática da medicina é a nossa melhor defesa”, diz Fernando.

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